quinta-feira, 4 de outubro de 2012

CB 750 Tour – Mediterrâneo I [1981]



O texto e as imagens
são dedicados em especial ao meu amigo Jorge Ivo,
com quem passei momentos valentes, tramados e divertidos,
ao longo de muitas viagens de moto.
Esta foi a primeira para lá de Madrid.

PIRENÉUS E MAIS ALÉM

À partida, com a Paulinha, futura companheira de viagens.
17 de Agosto. Oitenta e um. Dois casais, duas Hondas 750 Four. A minha era de 73, a do Ivo de 78. Já havíamos viajado juntos para Jarama por mais de uma vez. Mas nunca havíamos passado de Madrid. Desta vez, iríamos até Andorra, via Saragoça e Lérida. Depois, entraríamos em França. Finalmente, desceríamos a costa mediterrânica espanhola. Estreias absolutas.
Eu já conhecia a estrada costeira de Cádiz a Benidorm. Metade percorrera no ano anterior. A outra metade em 79. Desta vez, fecharia o arco do sul da Península Ibérica. Prevíamos percorrer cerca de 3700 quilómetros. Descobrimos 1000 marcos alemães – anos a poupar, Julieta! - que não chegavam aos actuais 133 euros. Levámos mais uns trocos e fomos.

Menos fastidioso do que descrever a viagem, talvez o relato de alguns episódios possa tornar o texto mais agradável. Aliás, pela distância à data do evento, suspeito que alguns dos locais já não existam e outros estejam deveras modificados. Outros, nem sequer me lembro deles. As imagens, essas, já se notam estragadas pelos anos. Algumas, não consegui recuperar.
Todavia, neste deserto da memória, há um oásis que me vai ajudar a compor o texto e a escolher as imagens: um registo, em versos de pé quebrado, que fiz dos episódios mais marcantes do percurso. São apontamentos com mais de 30 anos, com valor datado, muito "epoque". Aviso feito!

A MOTO NO CHÃO À SAÍDA

Começou bem a jornada,
de manhã, ao café,
com a moto parada,
mesmo ali ao pé.
Olhei para a estrada,
‘tava caída no chão
com a mala entalada,
em pleno alcatrão.
Mas apenas beliscou
uma pega lateral
vá lá, que ficou,
ainda assim, nada mal.

O café ficava a meia centena de metros da minha casa.

Era o único aberto, naquele dia, aquela hora.
Não era cedo mas, como habitualmente, era preciso beber café antes de partir.
Um carro parou, quis estacionar, o condutora não viu a moto, bateu-lhe, a moto caiu.
Saímos do café, olhamos para a moto e levantamo-la.
Não tinha problema de maior.
Depois de Queluz, auto-estrada, Setúbal, estrada nacional.
Primeira paragem, perto de Pegões.


FARÓIS SOLTOS, UM CANSAÇO


Mesmo apesar,
de um farol que cai,
nem tudo é azar,
mesmo o óleo que sai
que se lixe, digo eu,
ainda dá p’rácampar,
e de manhã acordar
a olhar p’ró Pirenéu.

Ainda em Portugal, assim que entrámos na estrada nacional, logo após Setúbal, o piso piorou. Bastante.

O esforço passou para as suspensões, destas para os suportes, destes para as peças.
 Embora se atravessasse uma época em que as anilhas de segurança dominavam, a verdade é que um dos faróis suplementares da outra CB 750 se soltou.
Mas não caiu, ficou pendurado pelos fios.
Foi apertar melhor e aproveitar a ocasião para fumar mais um cigarro.
Aliás, também era época em que os cigarros ditavam a dinâmica da etapa.
Parava-se para fumar, não para descansar.


GUADALAJARA COMO MIRAGEM

A experiência que tínhamos das idas a Jarama sossegava-nos a etapa. Desta vez, porém, subestimámos os cálculos. Saímos tarde, almoçámos longamente e chegámos a Madrid já de noite. E não era fácil atravessar a capital espanhola. Optámos por procurar um hotel baratucho, já à saída da cidade. Encontrámos o Resitur, perto do aeroporto. Nós e uma equipa de basquetebol estrangeira...

ÓLEO QUE CAI

Ainda em Espanha, antes de Oliana, soltou-se o outro farol.
A moto do Ivo dispunha de dois suplementares.
Resolveu-se com um melhor aperto.
Mais à frente, em Organya, um barulho de qualquer coisa que caía, obrigou-nos a parar em pleno centro da vila.
Como a rua era estreita, paramos do lado esquerdo, onde havia um espaço de estacionamento.
No meio da rua estava uma lata, a minha lata de óleo.
Um dos esticadores não aguentara e soltou-se, deixando-a resvalar.

Há umas semanas que tinha detectado que a moto perdia óleo. Não era muito e também não sabia de onde pingava. Devia aguentar os 3 mil quilómetros previstos. Mesmo assim, era prudente levar uma lata de óleo. Terminadas as férias, iria à oficina saber o que se passava.  O alerta da queda da lata foi providencial. Verifiquei o nível do óleo e não estava famoso. Mas não era dramático. Havia que acertar o nível e continuar a verificar. Assim fizemos.

UMA MALA ENSANGUENTADA EM LÉRIDA

A etapa seguinte levou-nos a Lérida, onde pernoitamos. Apesar do caminho apenas “abrir” a partir de Saragoça - onde a estrada nacional dava lugar à auto-estrada - o planalto castelhano, além de frio, era sinuoso. Apesar do perfil da estrada ser rectilíneo e de não ter muito movimento, a partir de Siguenza, mas sobretudo depois de Medinaceli e até Calatayud, passava praticamente a estrada de montanha. De tal maneira que, a memória vai para o esforço permanente em ultrapassar carros e camiões, em estradas de curva e contracurva. Era estóico. Quase um dia inteiro para fazer 400 quilómetros… 
No entanto, a partir de Madrid, tudo era novidade: o planalto com paisagens áridas a perder de vista, o frio extremo tão estranho em pleno Agosto, a secura dos terrenos e a cores tão cálidas, as longas rectas a seguir a Guadalajara onde a passagem dos camiões em sentido contrário nos fazia abanar que nem canas. Por tudo isso, íamos devagar.

Quando parámos em Lérida, deixamos as motos em frente do hostal San Pancracio. Subi no elevador com o Ivo, acompanhados pela proprietária. Perguntou-nos: são galegos? Italianos? Franceses? Ingleses…? Embora as provas de motociclismo em Jarama já tivessem muitos portugueses como espectadores, turistas portugueses de moto raramente estava no imaginário dos espanhóis…
Após nos termos instalado, a Luísa apareceu em pânico.
Uma das malas, salvo erro a traseira, estava manchada de vermelho.
Era a que levava uma caixa de primeiros socorros.
Lá dentro, um frasco de mercurocromo estava aberto.
O líquido foi escorrendo e, além da caixa, ainda manchou mais qualquer coisa...

O ENCANTO DA MONTANHA EM ANDORRA

Depois de Lérida, voltamos à estrada nacional. A partir de Seo d’Urgel o piso estava mais estragado. Quanto mais perto de Andorra, pior ia ficando e mais estreitas iam ficando as faixas de rodagem. Todavia, a estrada, ainda que sinuosa e perigosa, avançava entre falésias, ora próximo do rio, ora ao longo de uma albufeira. 
Sempre com o cenário dos penhascos como horizonte, parecia que estávamos a entrar em outro mundo. As casas passaram a ter os telhados muito inclinados, as paredes eram agora de pedra, muitas chaminés fumegavam, o ar estava frio, projectavam-se muitas sombras, o verde o cinzento dominam a paisagem.
De vez em quando, atravessámos túneis que furavam toscamente as montanhas. Outras vezes, o nosso olhar era guiado para as encostas íngremes e pedregosas, onde pontuavam pequenas casa de pedra escura. Sempre em estrada estreita, com trânsito considerável, curvas fechadas e piso sofrível. Tudo aquilo era diferente da árida planície castelhana. Tudo era novo para nós.
Camping Valira, Andorra la Vella
Fomos "aprendendo" Andorra à medida que percorríamos a capital. Do parque de campismo, enfiado no vale, viam-se duas "paredes" enormes de rocha, mas sobretudo uma delas, a mais abrupta e que estava mais perto de nós. Isto levou o Ivo a comentar que, todas as manhãs, ao sair da tenda, "só conseguia ver o Pirenéu!". 

TARDE DE TRABALHO EM PAS DE LA CASA

Saímos, estava fresquinho,
numa toada lenta,
parámos p’ró cigarrinho
que o Ivo não dispensa,
apenas tira o capacete,
puxa a meia p’ró queixo,
que tirar o barrete,
não é mal,
não é desleixo,
antes marca pessoal,
de tantos anos a fio
que ninguém leva a mal
e já tanta gente riu.

Saímos de Andorra la Vella e, pouco depois, estávamos a percorrer os esses que dão acesso a Pas de La Casa. Até lá, parámos por mais de uma vez. Lá estava a novidade da montanha mas, desta vez, em piso excelente, com cavalos à beira da estrada, acompanhados por um ar gelado e uma paisagem de cortar a respiração.
Naquela altura, os preços eram deveras mais baixos do que em Portugal.
Para motociclistas, Andorra era um paraíso.
O Ivo quis tirar partido disso e mudou um conjunto de corrente, pinhão de ataque e cremalheira.
Suspeito que, devido ao elevado preço da mão de mão-de-obra, fomos nós a fazer o serviço de montagem.
Demorou uma tarde inteira.
"Andorra 2000", a mais célebre loja de motos em Pas de la Casa
Quando saímos de Pas de La Casa, no extremo norte de Andorra, já escurecera. Atravessamos a fronteira e entrámos em França, por entre um cenário de montanha. Percorremos os Pirenéus devagar, mas sem destino fixo ou alojamento reservado.

UMA NOITE DE REIS EM MILLAS…

Quando demos por nós, estávamos à procura de um parque de campismo, que devia ser por ali…
Percorremos por três vezes a mesma estrada, e nada.
A noite já tinha caído quando desistimos.
Divididos entre procurar campismo ou restaurante, paramos em frente de um café onde estavam duas ou três motos francesas estacionadas.
Perguntamos onde ficava o parque de campismo.
Não demorou que um dos motociclistas nos dissesse para o seguirmos.
Assim fizemos. Andámos cerca de 15 quilómetros!
Levou-nos à porta de um parque de campismo.
Era exactamente o mesmo que procurávamos!
O acesso ao parque fazia-se através de uma pequena abertura numa longa sebe de arbustos, quase impossível de detectar de noite, a meio de uma malvada recta que… havíamos feito por três vezes.


Curiosamente, na recepção não havia vivalma. Nem aí, nem no resto do parque. Desligámos as motos. Entrámos, um pouco a medo, não fossemos acordar alguém, visto que já era tarde. Ninguém mexia, que estranho. O parque estava vazio. Montámos as tendas e saímos a pé à procura de um restaurante aberto.


Passámos por um bairro de moradias, a caminho do que parecia ser a civilização. Ninguém… Contudo, alguns sons de burburinho pareciam estar próximos. Subitamente, demos com uma praça, gente a perder de vista, luz e uma algazarra contida. Não havia vivalma que não tivesse uma bola de metal na mão! Espantoso! Estávamos na praça central de Milas e toda a gente jogava com "les boulles".

… COM RESTAURANTE PRIVATIVO


Demorou tanto a viagem

que, bem ao fim do dia,
perdidos na paisagem
- já de noite fazia -
que tudo estava fechado
mas, ainda alguém havia
naquele ermo parado
que abriu o restaurante
para, em boa companhia,
trazer comida bastante,
borga e alegria,
a este quarteto errante.
E, quanto a acampar,
entrámos, ninguém havia,
foi de borla aquele dia
e, não é de admirar,
já que, quando saía,
não foi preciso pagar.

Continuámos à procura de um restaurante. Por mais ruas que percorressemos, tudo estava fechado. Parámos à porta do que nos pareceu ser um café ou bar, também fechado. Desolados e esfomeados ficamos a olhar para a montra. Entretanto, passou na rua um casal estranhamente vestido. As roupas pareciam próximas de vestuário circense. Olhámos para eles e eles olharam para nós, como se todos estivessem atónitos com o aspecto uns dos outros. Nós ainda estávamos com os fatos de cabedal…
Só acontece uma vez na vida...
Eles devem ter percebido que nos faltava qualquer coisa… e, num repente, estavam a chamar o proprietário do café, que morava por cima. Chamaram, chamaram, e não foi baixinho. O dono abriu a janela, olhou para baixo, e deve tê-los reconhecido. Desceu e veio abrir o estabelecimento.
Também choveu, na auto-estrada, mas não foi muito...
Jantámos tostas mistas, cerveja e bolos.
E, além do casal circense ainda se lhe juntou outro amigo.
Foi até às tantas.
Contámos anedotas e tirámos fotografias com canecas de cerveja.
Num espaço extremamente exíguo.
E ninguém se conhecia…
No dia seguinte, quando saímos do parque, continuava a não haver ninguém na recepção.


ALMOÇO NA DIAGONAL E CAMPISMO NO DURO 


Barcelona, avenida Diagonal. Foi lá que almoçámos, numa esplanada. Um luxo! Todavia, pouco mais vimos de Barcelona do que as avenidas principais: uma à entrada, a Diagonal e a de saída. Num instante, estávamos fora de Barcelona, sem Montjuic, sem  Gaudi, sem Bairro Gótico. 
Dali, fomos até Ametlla de Mar, meia centena de quilómetros a sul de Tarragona.
Nesse ano, tinha explodido um camião de combustíveis ali perto…
Pouca memória guardei da localidade.
Mas lembro-me bem do piso do parque de campismo.
Seco, rijo, pedregoso.
De tal forma, que os vizinhos nos emprestaram martelos para pregar as espias das tendas.
Com as nossas chaves inglesas, não nos safávamos...
... estávamos a dobrá-las que nem palhas.
 
OLHO VIVO EM VALÊNCIA

Parámos para almoçar em Valência.
Deixámos as motos à vista e escolhemos uma esplanada para nos sentarmos.
Eu sentei-me ao lado da Julieta e o Ivo ao lado da Luísa.
Estava um calor tremendo.
Despimos os blusões, que pendurámos nas costas das cadeiras.
Daí a pouco, surgiu uma cigana velhota a pedir.
Juntou-se bem nas costas dos nossos companheiros de viagem e foi desfiando uma ladainha imperceptível.
A Julieta surpreendeu-a já com a mão dentro do bolso de um dos blusões.
Um berro depois, a velha desapareceu…


BENIDORM BY NIGHT


Foi na Torre Dourada,
único que tinha vaga,
a melhor noite passada,
onde o Ivo partiu
um copo junto à piscina,
envergonhou a namorada
que depois desatina
- aquilo que a gente riu!

Chegámos cedo, mas não foi fácil encontrar lugar. “Batemos” as avenidas principais mas não conseguimos vaga. (Não seria apenas aqui). Por isso, fomos andando para a zona do poente, mais afastada do centro. Parámos as motos em cima do passeio junto à porta do hotel Torre Dorada. Havia dois quartos disponíveis, nos andares mais altos.

Lá de cima, a piscina parecia pequena.
Mas a baía de Benidorm surgia sublime vista da varanda.
O sítio foi uma espécie de oásis: local agradável, panorama excelente, ambiente festivo.
Tão festivo, que o Ivo fez estragos: não me lembro se o copo saiu da varanda, se saltou da mão à beira da piscina… 

Benidorm, lado poente
Benidorm estava na berra! A manhã era para dormir, a tarde para passar na praia, a noite e a madrugada para andar de “disco” em “disco”. Pacha, Circo, Penelope, eram os nomes de algumas das discotecas mais famosas do burgo. E, já nessa altura, não abriam antes da meia-noite.
Benidorm, lado nascente
A cidade parecia uma espécie de Praia da Rocha, mas com uma concentração de prédios - que iam até aos vinte andares - em vagas consecutivas, erigidos na primeira, na segunda e na terceira linhas da praia. A marginal era extensa, ligava a cidade de uma ponta à outra, atravessando sensivelmente a meio a zona antiga.

Na zona urbana de Benidorm, andávamos à vontade: sem capacete (não era obrigatório), nem blusão. Estava calor e sabia bem andar ao léu. Íamos à praia à tarde e saíamos ao fim do dia para ir espreitar o lado nascente do burgo, jantar e ficar próximo das discotecas. 

Numa das tarde, o pneu dianteiro da minha moto furou.
Estava equipada com pneus com câmara de ar mas dispúnhamos de anti-furos "Finilec".
Não foi preciso utilizá-lo.
O furo aconteceu mesmo em frente do representante Michelin!
A reparação foi rápida.
Mas a sorte, não ficaria por ali.

UM ALEMÃO OLEADO


Novamente na estrada,

onde já não estamos sós,
com um alemão na peugada,
azar o dele, ficou
com a moto molhada,
que tanto óleo jorrou
do motor da Honda quebrada,
e era já noite cerrada,
quando o cárter gritou:
tenho a alheta encharcada,
do óleo que espirrou!

Depois de Murcia, passamos a andar na companhia de um alemão.
Tinha uma Kawasaki 650 e amigos em Nerja.
Rodou atrás de mim durante algum tempo e depois parámos juntos.
Foi ele que me alertou para o facto de estar a ficar alagado em óleo.
Fui ver o motor da "sete e meio".
Notavam-se realmente alguns fios de óleo entre as alhetas.
Porém, não era muito, nem se percebia por onde estava a escapar.
E, já não tinha óleo na lata.
Aliás, já a deitara fora. 
Mini Hollywood. Ainda lá está...
Chegámos a parar num descampado, logo após termos visto uma placa que indicava “Mini Hollywood”. Tratava-se de um parque temático dedicado ao “western”, situado entre “canyons”, onde alguns filmes americanos e italianos haviam sido filmados. Até ali ainda tivemos a companhia do alemão. Depois, ele ficou em Nerja e nós continuámos para Torremolinos.

NÃO HÁ DUAS SEM TRÊS

Podíamos não ter dado por isso.
Íamos deslumbrados com a paisagem.
Mas um dos faróis voltou a cair.
Tornamos a apertá-lo.
Não voltou a acontecer.

ÓLEO FUGIT EM MÁLAGA

Passámos Salobreña e Torre de Mar já ao cair da noite. À entrada de Málaga, o motor da minha 750 calou-se. Acabávamos de parar num semáforo. Empurrei a moto para a berma e, como é habitual, comecei por olhar para o motor. Como não havia luz suficiente em redor, fiquei na mesma. Fusível? Falta de gasolina? O que se passava…?
Paragem na nacional, com o penhasco de Ifach em fundo.
O motor estava quente e o ambiente também.
Havíamos passado o deserto de Almeria nesse dia.
Era razão suficiente para o motor estar quente.
Mas aquele estava demais.
Fui ver o óleo. Não tinha!
Nem uma gota aparecia no nível.
Voltei a colocar a vareta.
Surgiu com a ponta humedecida, vá lá…
O ‘carter’ devia estar praticamente seco.
Quando tal acontece, espera-se que o motor ‘gripe’.
A parte mais cara do motor.
Mas talvez ainda houvesse esperança…
Sorte ou não, estávamos num posto de abastecimento que dispunha de uma oficina (fechada), e de uma loja. Comprei uma lata de óleo, improvisei um funil e enchi o ‘carter’. Empurrei o botão de ignição e a moto pegou à primeira. Sucesso! Pudemos continuar.



HOTEL DA FLORESTA EM TORREMOLINOS 

Por aí fora,
à procura de lugar, 
andámos horas à nora,

sem lugar para ficar.
E, foi na auto-estrada
mesmo, mesmo à entrada
de ‘Molinos’ escancarada,
a tenda fomos montar,

ali pela madrugada
- onde fomos parar! -

mesmo ao lado da estrada,
(com as árvores nem se via)
mas, lá sentir,
sentia,
que a noite não passava;
ainda assim,
dormia.

Jantámos sem a preocupação de accionar o seguro de viagem do ACP, a única entidade que o fazia nessa altura. Depois, entrámos em Torremolinos dispostos a encontrar um sítio catita para dormir. Sabíamos que nos bairros tradicionais, onde havíamos alugado um quarto no ano anterior, havia uma larga oferta de alojamentos.
Mas, naquela noite, não havia. Não havia ali, nem em lado nenhum. Passamos rapidamente dos quartos de baixo valor para os hotéis de quatro estrelas. Quando, desesperados, entrámos no ‘Las Palomas’, um dos hotéis de cinco estrelas de Torremolinos e nos disseram que não tinham vagas, percebemos que não iríamos dormir em lençóis naquela noite.


Mas apetecia. Estávamos cansados, tínhamos apanhado um calor diabólico e um susto infernal. Merecíamos. Já era quase meia-noite e queríamos descansar. Porém, ainda saímos de Torremolinos, passámos por Benalmadena e julgo que chegámos a parar e perguntar se havia vagas em todos os hotéis de estrada até Fuengirola. Nessa altura, ainda muito campo separava as duas localidades. Hoje estão praticamente juntas.
Voltámos para trás. Málaga estava perto. Era uma cidade enorme, devia ter vagas. Ao princípio, paramos em dois ou três hotéis, mas a resposta era sempre a mesma: não há vagas! Num deles ainda conseguiam reservar, mas para o dia seguinte. Já passava das duas da manhã.

Encontrámos dois espanhóis que guiavam Vespas e pedimos-lhes que nos indicassem outros hotéis. Ou não perceberam ou eram tontos: andámos às voltas até que… quase os “dispensámos” à força. Não valia pena insistir. Não havia lugar para nós em hotéis no sul de Espanha.

Por isso, olhámos para a bagagem, vimos as tendas e encolhemos os ombros.
Não havia outro remédio! Acamparíamos.
Fomos ao parque de campismo de Torremolinos, mas apenas por descargo de consciência.
Havia mais gente a acampar fora do que dentro do parque.
Naquela noite, o campismo teria de ser improvisado. 


Deixámos Torremolinos, de novo, em direcção a Málaga.
Parámos assim que vislumbramos um pequeno bosque. 
Empurrámos as motos em cima da terra e tirámos a bagagem.
Metemo-nos por entre as árvores e montamos rapidamente as tendas.
Estava quase a clarear.
Havia muitos ruídos, barulhos difusos mas persistentes.
Todavia, estava escuro, podia ajudar-nos a descansar os olhos.

De manhã, o panorama era singular.

Estávamos numa pequena mata.
Era verdade, mas que dividia a via rápida de entrada em Torremolinos.
De um lado e de outro, os carros passavam veloz e sistematicamente como em hora de ponta.
Afinal, aquela era a única ligação entre Torremolinos e Málaga.
Quem conheça Vilamoura perceberá o que é acampar no meio da avenida principal...

               A INQUIETAÇÃO DO LUXO


Continuámos o passeio,

por Estepona, Puerto Bañus,
mirar aquele asseio,
aqueles carros estranhos,
que deu para bater
na traseira do Ivo e cair,
mas levantar e ver,
que podíamos seguir.

A atracção pelo luxo é tramada. Provavelmente decorre da novidade e da propaganda. Puerto Bañus era disso paradigma. Últimos modelos de carros e motos, barcos maiores do que apartamentos, cães com coleiras brilhantes… e, tudo aquilo, estava à vista e com livre acesso.
Marina de Jose Bañus, perto de Marbella
Era uma pequena mas agradável marina acolhia muita gente rica e gente muito rica: o melhorzinho da Costa do Sol. Com uma arquitectura que fazia lembrar os pequenos portos italianos e gregos, de casas pequenas encavalitas, de paredes brancas e estores coloridos. Era uma tentação não parar ali.
Após a queda, em Puerto Bañus
Nunca tinha visto.
A não ser em fotografias dos Beatles.
Era um Rolls Royce branco descapotável.
Aquele passou devagar, na outra faixa, ia a entrar quando nós deixávamos a marina.
Olhei para o carro, distraí-me e bati na moto do Ivo, que estava parado à minha frente.
Caímos a… 5 à hora! Eles não.
Nós levantamo-nos sem grande alarde e seguimos.
Não havia estragos. 


CÁDIZ, ALGARVE, MILFONTES

No cais, em Ayamonte
No barco para Vila Real de Santo António
Saída de Troia
Repetimos o parque de campismo de San Fernando, perto de Cádiz, onde eu havia estado em 79. Deixámos Espanha apanhando o barco em Ayamonte. Atravessámos todo o Algarve até à (ainda não célebre) Aldeia da Luz, pouco depois de Lagos. Voltamos à praia. Repetimos em Milfontes, última etapa do périplo. Estava feito!
Chegada ao local de partida, Queluz